Iuri libertado

Iuri libertado

Em prisão preventiva há quatro anos, Iúri Semedo foi libertado por ordem do tribunal que o condenou
Em Novembro, o Supremo Tribunal de Justiça mandou repetir o julgamento de dois jovens condenados sem provas por um homicídio em Albufeira, como noticiou o Projecto Inocência. Enquanto um dos jovens aguardava o desfecho dos recursos em liberdade, com termo de identidade e residência, o outro estava em prisão preventiva desde 2017.
Cláudia Marques Santos e Lisleine Uchôa do Lago
Eram 18h20 de sexta-feira, 21 de Janeiro, e Iúri Semedo, de 27 anos, estava já de pijama e a preparar-se para ir dormir quando foram chamá-lo à cela, no Estabelecimento Prisional (EP) de Linhó. Em prisão preventiva há mais de quatro anos e condenado a nove pelo homicídio de Paulo Santos, ocorrido na sequência de uma rixa em Albufeira, em Setembro de 2017, Iúri pensou tratar-se do protocolo de entrega da notificação do Supremo Tribunal de Justiça, para o qual tinha recorrido pela segunda, e última vez.
Em Novembro, o Supremo ordenou a repetição do julgamento de Iúri e do seu amigo, João Semedo, de 26 anos, ambos sentenciados pelo mesmo crime – para o qual havia quatro arguidos e resultaram estes dois condenados –, por entender que o tribunal de Portimão tinha condenado os dois jovens sem provas, numa sentença que “fere o elementar sentido de justiça”, conforme noticiou o Projecto Inocência a 5 de Janeiro.
Baseado numa única testemunha que o reconheceu pelas roupas através de um vídeo feito por telemóvel, o tribunal de Portimão deu como provado que foi Iúri o autor do soco que fez Paulo Santos cair ao chão e ficar inanimado, e, em seguida, ainda lhe deu um pontapé na cabeça. No entanto, segundo a lei, tal identificação não serve como prova, já que não foi feita de forma presencial, além de não ter sido obtida através da memória da testemunha.
O Supremo considerou também não ter sido dada como provada a co-autoria de João Semedo no homicídio. João seria o autor do primeiro soco que levou Paulo Santos a cair ao chão, que se levantou depois. Para este tribunal, não foram provadas nem a existência de um acordo prévio entre Iúri e João para tirar a vida da vítima, nem o objectivo deliberado de João em matá-la quando desferiu o soco.
Contudo, a decisão do Supremo de mandar repetir o julgamento não cancelava as medidas de coação que mantinham Iúri preso desde 4 de Outubro de 2017. Estas dependiam de uma avaliação trimestral feita pelo tribunal de Portimão e tinham um prazo de validade: Abril de 2022, ou seja, quatro anos e seis meses, metade da pena aplicada. Medidas estas que, na última revisão, datada de 21 de Janeiro, foram revogadas pelo juiz de direito e passaram a ser as mais leves: a obrigatoriedade de se apresentar à polícia três vezes por semana.
Esta decisão teve em conta não só a ordem do Supremo para que o julgamento fosse repetido mas também a avaliação sobre a integração social de Iúri Semedo e a improbabilidade de vir a participar em actos criminosos.
Segundo a advogada de Iúri, Ana Vaz Quintino, esta alteração deve-se ao facto de se aproximar o fim da validade da prisão preventiva e, também, por ser improvável que a data para o novo julgamento seja marcada antes.
“Ainda estou a processar”, repete Iúri, ao telefone, de volta à casa onde vive com a mãe. “Sinto-me bem melhor”, acrescenta a mãe de Iúri, Andradina Fernandes, cabo-verdiana de 49 anos e saúde frágil, a viver há 41 em Portugal. No último domingo, o avô, a quem Iúri diz ser muito apegado, celebrou 82 anos de vida, festa que Iúri refere ter sido muito especial. O avô sofreu um AVC quando o neto foi preso e vive desde então acamado.
Na próxima semana, Iúri começa a trabalhar como ajudante de electricista, ofício que aprendeu no EP de Linhó. “Penso tirar o curso de electricista. Quero seguir com a minha vida”, diz, com esperança.
Quanto à família da vítima, Paulo Santos, continua sem receber a indemnização a que tem direito, quase cinco anos depois da sua morte.
Publicado no jornal Público a 5 de Fevereiro de 2022
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