Se todos sabemos dizer que errar é humano, já nem todos somos capazes de aceitar que errámos.E nos tribunais, aceitar o erro é muito difícil.
Francisco Teixeira da Mota
Não sabemos se qualquer um dos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – Helena Moniz, Eduardo Loureiro e António Clemente Lima – leu o artigo Homicídio em Albufeira: a sentença que condenou de mais e de menos, publicado no PÚBLICO no dia 4 de Julho de 2021,da autoria de Cláudia Marques Santos e Paulo Pena e ilustrado por Novo Coroné. É provável que não mas pode ser que sim. A introdução do artigo era esclarecedora:
“Numa noite, em Albufeira, Paulo estava a conversar com um amigo e foi espancado até perder a consciência numa rixa iniciada por um grupo de rapazes embriagados. Viria a morrer cinco dias depois. Deste caso, resultaram dois condenados por homicídio, que se dizem inocentes.Iúri foi considerado culpado a partir de um testemunho para memória futura feito de forma irregular; João foi incriminado a partir de um relato prestado à polícia, que a testemunha não foi capaz de repetir no tribunal. Já o rapaz do grupo que começou com as provocações e o que pontapeou Paulo, inanimado, foram ilibados”.
Certo é que no passado dia 18 de Novembro os referidos juízes conselheiros proferiram um acórdão que, em diversos aspectos, vem dar razão às questões levantadas pelo artigo em causa – de resto, já levantadas em sede de recurso pelos advogados dos arguidos – revogando a decisão anterior e determinando o reenvio do processo para novo julgamento em virtude da “existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e de “erro notório na apreciação da prova”.
O artigo jornalístico que punha em causa de forma directa a qualidade da sentença e a justiça da condenação dos arguidos insere-se no “Projecto Inocência” que, criado em 2020, com o apoio de uma Bolsa de Investigação Jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian, junta jornalistas e juristas na investigação de casos em que os condenados garantem ser inocentes. Um projecto que se insere no mesmo movimento de intervenção cívica que deu origem ao Innocence Project nos EUA, criado em 1992 e que já retirou do corredor da morte e das prisões numerosos condenados. Graças, nomeadamente, aos testes do DNA, este projecto conseguiu reparar muitos erros judiciários cometidos pelos tribunais norte-americanos ao mesmo tempo que procura reformar o sistema de justiça criminal no sentido de evitar futuras injustiças. Em Portugal, temos este nosso “Projecto Inocência” que conta com as jornalistas estagiárias Ana Patrícia Silva, Inês Fajardo Silva, Letícia Carvalho, Lisleine Uchôa do Lago, os jornalistas Cláudia Marques dos Santos e Paulo Pena, as advogadas consultoras Isabel Duarte e Leonor Caldeira e os investigadores do Centro de Estudos Sociais, Filipe Santos e Susana Costa.
Num artigo publicado no Diário de Notícias de 25 de Janeiro de 2020, a jornalista Cláudia Marques dos Santos, anunciava que, “além de procurar reverter condenações de inocentes, a missão do Projecto Inocência é relatar os factos sob o ponto de vista do interesse que eles têm para o público. O leitor vai poder acompanhar em cada reportagem todo o esforço de investigação e verificação jornalística dedicado a cada caso. Passo a passo, as dúvidas levantadas serão respondidas e demonstradas. O trabalho partirá de factos já apresentados em julgamento e que serviram de base às condenações, mas também da reapreciação do modo como foram levadas a cabo as perícias e o peso dado a esse tipo de prova para a formação da convicção dos decisores. A investigação vai pautar-se, assim, pela obtenção de novas provas e evidências, revelando que a verdade material é outra”.
Na verdade, se todos sabemos dizer que errar é humano, já nem todos somos capazes de aceitar que errámos.E nos tribunais, aceitar o erro é muito difícil. Habitualmente, quando os tribunais superiores reenviam processos para novo julgamento por considerarem terem existido erros ou deficiências no julgamento inicial, a nova decisão, fora alguns poucos pormenores para dar cumprimento formal às chamadas de atenção do tribunal de recurso, lamentavelmente, volta a repetir a decisão anterior…
Seria desejável – até porque, neste caso, já é a segunda vez que o STJ reenvia o processo para reformulação da decisão condenatória – que tal não sucedesse e que a nova sentença fosse cristalina na apreciação da prova e sólida na fundamentação da decisão.
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